sábado, 3 de dezembro de 2011

O Hipocondríaco

Glicerinildo decididamente não nascera para ser policial, sua vocação era mais para farmacêutico, enfermeiro, médico, ou na pior das hipóteses, motorista de ambulância.
            Ele só pensava, falava e respirava DOENÇA, estava sempre passando mal, indisposto, com taquicardia, suando frio e outras tantas coisas provocadas pela sua mania de achar que sempre estava doente.
            Vivia “dando receitas” e discorrendo sobre as propriedades medicinais das plantas da flora brasileira, das homeopatias e até mesmo das receitas caseiras dos tempos da vovó.   Suas horas de folga, as passava perambulando pelos hospitais públicos e postos de saúde, pedindo para ser auscultado, para que lhe medissem a pressão arterial, para fazer exame da fitinha para detectar glicose na urina, etc., numa verdadeira encheção de saco para os pobres funcionários, que certamente tinham muito mais o que fazer, do que atender aos caprichos de um maníaco.

            Em suas conversas, invariavelmente surgia o assunto DOENÇA e se o parceiro queixava-se de dores, imediatamente sugeria que tomasse um medicamento à base de dipirona, prometazina e adifenina.   Se o caso era bronquite, indicava teofilina de liberação programada, esclarecendo ser a substância, um pó branco, cristalino, sem odor e com sabor amargo, quimicamente a 1.3 dimetilxantina.   Nos casos de reumatismo, o mapa da mina era butazolidina, indocid, piroxicam ou qualquer corticóide.   Para os males do estômago como gastrites, esofagites ou ulcera péptica, a cura só seria possível através de hidróxido de alumínio, hidróxido de magnésio e dimeticona.   Para os males do estômago como gastrites, esofagites ou ulcera péptica, a cura só seria possível através de hidróxido de alumínio, hidróxido de magnésio e dimeticona.   Para problemas nos olhos, um colírio composto por cloridrato de nafozolina, fenosulfonato de zinco e sulfato de berberina.
            E lá ia o nosso herói vivendo a sua vidinha de hipocondríaco juramentado, se auto medicando e receitando para os amigos, parentes e demais incautos que caiam na asneira de com ele conversar, tudo o que o seu conhecimento de mais de 50 anos de hipocondria permitisse.
           A bem da verdade, deve-se dizer que Glicerinaldo era portador de uma antiga e fiel diabetes do tipo II, que era convenientemente controlada com pequenas doses diárias de cloridrato de N, N-dimetil guanil guanidina, auxiliadas por uma terrível e rigorosíssima dieta, que o fazia passar mais fome que as vítimas das guerras de Biafra e Ruanda juntas.
            Quando alguém ousava sugerir que moderasse o regime ou até mesmo que saísse totalmente da linha, partindo para umas “louras suadas”, umas sardinhas fritas, bolinhos de bacalhau ou algumas porções de provolone ou salaminho, o homem se transformava em verdadeira fera, chegando às agressões por palavras, ou melhor, palavrões, indo mesmo às vias de fato.   Dizia que queriam vê-lo morto e sepultado mas esse prazer ninguém haveria de ter, pois a ultima coisa que faria na vida, seria afastar-se de seus poderosos medicamentos e da milagrosa dieta, que certamente haveriam de levá-lo até os 100 anos de vida.
            Certo dia, quando descansava em casa, Farmacopéia, a dedicada e paciente esposa de Glicerinaldo, recebeu uma chamada telefônica, e de outro lado da linha uma voz informava que seu marido havia falecido, estando o corpo no início da Via Dutra, no famoso Trevo das Margaridas.   No local disseram alguns populares, que o homem tinha sido atropelado ao tentar atravessar a pista inadvertidamente lendo um papelzinho.
            Na mão do cadáver, um exemplar do livro macrobiótico “Como Viver 100 Anos” e uma amassada bula de remédio.
            É mole ou quer mais ?